Todas as eras e ciclos do mundo civilizado sofreram impactos na divisão do trabalho e na organização dos modos de produção. Com nosso atual momento, não seria diferente. O desenvolvimento digital está mudando a forma como nos relacionamos com as coisas e com as pessoas — e a forma como lidamos com tudo aquilo que produzimos e consumimos. Parece ter se esfacelado a linha divisória que havia entre quem produz e quem consome: hoje qualquer um pode se aventurar no mundo da produção de ideias e coisas. Atualmente, a filosofia do “faça você mesmo” influencia pessoas no mundo inteiro a colocarem seus projetos à frente: os empreendedores do presente e do futuro não são mais aqueles cuja narrativa se assemelha a de um herói, numa missão quase divina rumo à conquista de objetivos; hoje qualquer um pode percorrer uma jornada como empreendedor. Esses novos pensamentos relacionados ao mundo do trabalho também influenciam a cadeia produtiva dos livros e publicações de cunho literário. Não mais recorrer aos grandes grupos editorais, que por sua vez concentram todas as tarefas relacionadas à produção editorial e também à distribuição, mas publicar você mesmo: a autopublicação é a bola da vez no cenário literário. Vários autores estão realizando publicações independentes, responsabilizando-se quase integralmente pelas etapas que geralmente fazem parte do processo editorial. O longo caminho entre autores e leitores está cada vez curto; isso porque muitos desses novos autores estão também dedicando-se à venda das obras. Todo esse movimento começou certamente nos anos de 1990, com a popularização da internet e dos blogs. As pessoas que não tinham dinheiro para publicar seus textos recorriam às plataformas virtuais gratuitas. Era comum, e até moda, possuir uma página pessoal na internet, assim como hoje é praticamente um consenso o uso de algum tipo de rede social. Para os escritores de cunho literário, foi uma grande oportunidade mostrar se trabalho, formar redes de contato e gerar público. Para muitos, a tela do computador, do tablet e do celular não é suficiente: eles querem chegar fisicamente aos leitores. Ainda é preciso alguma grana para publicar, mesmo que se opte por formatos de baixo custo, como fanzines ou livros em papel jornal. Mas o controle sobre o processo de publicação fica nas mãos dos próprios autores, cabendo às gráficas só mesmo o imprimir. Nem todos os autores dominam todas as funções que fazem parte desta cadeia produtiva. Até os leitores, a obra passa pela edição, preparação e revisão textuais, indo depois para sua produção como objeto: ilustração (caso haja), design, diagramação, escolha de tamanhos, papéis etc. A maioria dos autores que se autopublica funcionam apenas como managers desse processo, contratando no meio do caminho profissionais que deem conta de cada um desses aspectos. É raro que autores que não recorram a esses profissionais consigam ter em mãos, ao final do processo, uma obra de irrepreensível qualidade técnica. Isso porque, por trás de cada uma dessas funções, estão saberes e conhecimentos específicos, constituídos por meio de estudo e prática. As funções de edição, preparação e revisão de texto são feitas, geralmente, pelo profissional de Letras. Um só profissional de Letras é capaz de dar conta de atuar nessas atividades, mas o autor deverá valorizar esse profissional, remunerando-o adequadamente para cada uma dessas funções. No caso da autopublicação, o processo de edição não funciona como numa editora comum, onde há uma política bem definida, normas a serem cumpridas, certos esquemas de padronização que perpassam por todas as publicações da casa. Os autores independentes têm mais liberdade para tomar decisões sobre um ou outro aspecto da sua própria obra, e o relacionamento com editores freelancers deve ser de muito diálogo. A revisão é a tarefa mais importante na qual profissional de letras vai atuar, porque ele se constitui como um “outro” necessário à correção da obra (salvo questões específicas e às escolhas literárias) do ponto de vista da Língua Portuguesa. Há também o leitor sensível, aquela pessoa que vai fazer uma leitura da obra do ponto de vista político e cidadão, tratando de ver se respeita minorias e não é ofensiva a determinados setores sociais. É importante reconhecer a força dos autores independentes no meio literários de hoje. Estão vendendo seus livros e ganhando prêmios. Essa é uma modalidade de publicação que está atraindo aqueles que estão com vontade de tirar os escritos para fora da gaveta, incentivando cada vez mais a publicações de obras literárias. Para que a missão de se autopublicar tenha êxito, é preciso contar com as pessoas certas, ter muita disposição para lidar o mercado e ser criativo na hora de vender o peixe. Trata-se de um processo que carece de muito foco e esforço, mas essa aventura também pode ser bastante deleitosa.
1 Comment
Eliane Figueiredo
16/3/2019 03:03:57
Eu posso escrever textos de minha autoria?
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Joice NunesGraduada em Letras, revisora de textos e escritora. Estou sempre com um livro nas mãos, desde criança. Tenho a palavra escrita como algo fundamental em minha vida. Se isso não for amor, não sei o que mais poderia ser. :) Categorias
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Março 2018
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